A arbitragem se destaca por ser um método de resolução de litígios que ocorre fora do Poder Judiciário, no qual as partes definem que uma pessoa ou uma entidade privada solucionará a controvérsia apresentada por elas.
Apesar de possuir regras definidas pelos órgãos arbitrais e ser um procedimento escrito, a arbitragem se caracteriza pela informalidade e tem o costume de apresentar decisões especializadas, uma vez que as partes podem escolher um árbitro com conhecimento técnico na matéria sobre a qual está posto o litígio.
Considerando que esse método alternativo de resolução de conflitos costuma apresentar uma resolução mais rápida que o Poder Judiciário, a arbitragem ganhou notável espaço e vem crescendo a cada dia. A partir disso, empresas que prestam serviços de consumo começaram a utilizar em seus contratos cláusulas nas quais escolhem as Câmaras Arbitrais para resolver eventuais litígios.
Desta forma, surge a seguinte pergunta: a arbitragem pode ser utilizada nos litígios que envolvam relações de consumo?
Nesse sentido, ao apreciar a matéria, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da sua 2ª Seção, no Recurso Especial nº 1.636.889, datado de 14/08/2023, de Relatoria do Ministra Nancy Andrighi, fixou o entendimento de que a cláusula contida no contrato de consumo e que determina a utilização obrigatória da arbitragem é nula.
A questão fática objeto do recurso, supra descrito, diz respeito a uma demanda indenizatória movida por consumidores em face de construtora que atrasou a entrega da obra de um imóvel. Embora no contrato firmado entre as partes houvesse previsão de cláusula compromissória de arbitragem, o que, em tese, afastaria a jurisdição estatal de resolver o litígio, conforme preceitua a Lei n.º 9.307/96, o Tribunal Superior reconheceu a nulidade da mencionada cláusula, sob o argumento de que a arbitragem, em contratos nos quais há relação de consumo, somente poderá ser utilizada com a concordância do consumidor.
O STJ embasou o entendimento pelo motivo da legislação tratar o consumidor como hipossuficiente nas relações contratuais firmadas com os fornecedores, bem como porque o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu art. 51, inciso VII, preceitua que são nulas as cláusulas contratuais que determinem a utilização compulsória da arbitragem.
Outro ponto debatido foi de que a vinculação de determinados contratos de consumo à arbitragem poderá acarretar despesas elevadas para o consumidor, tendo em vista que os custos de um processo arbitral são superiores ao de um processo judicial.
Na linha do precedente oriundo do STJ, o Tribunal de Justiça do RS (TJ/RS) também reconheceu a nulidade da utilização compulsória da arbitragem em contrato de consumo. O julgado adveio da Apelação Cível de n.º 50258285920218210019, em 26/10/2023, de Relatoria do Desembargador João Pedro Cavalli Júnior que, seguindo o posicionamento do STJ, entendeu que o ajuizamento de ação perante o Poder Judiciário evidencia, ainda que de forma implícita, a discordância do consumidor em se submeter à arbitragem, motivo pelo qual houve a desconstituição da sentença com o retorno dos autos a origem para julgamento do mérito da demanda proposta pelo consumidor.
Pelo cenário exposto, conclui-se que a jurisprudência dos Tribunais Superiores, embora não proíbam a utilização da arbitragem como alternativa a resolução de conflitos nas relações de consumo, estão influenciando os Tribunais Estaduais a vedarem a utilização da cláusula compromissória em contratos nos quais obrigue o consumidor a renunciar o direito de se socorrer ao Juízo Estatal.
O Núcleo de Direito Empresarial da Ody Keller fica à disposição para dirimir eventuais dúvidas sobre o assunto.
Fernando Maico Silveira Müller
Advogado - OAB / RS 109.027
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