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Governo retira pedido de urgência para projeto que acaba com dedução dos JCP em 2024

Sem urgência constitucional, matéria poderá tramitar de forma mais lenta e permitir aprofundamento de discussões pelos parlamentares


O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) solicitou, nesta terça-feira (5), ao Congresso Nacional que seja retirada a urgência constitucional do projeto de lei que acaba com a dedução dos juros sobre capital próprio (JCP) da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).


A proposição (PL 4258/2023) foi encaminhada ao Congresso Nacional na última quinta-feira (31) e obrigaria o trancamento da pauta da casa legislativa onde estivesse tramitando caso não fosse votada em até 45 dias. Desta forma, o governo federal garante mais tempo para a discussão sobre o assunto, que, na avaliação do mundo político ainda não está maduro para ser deliberado.


Entre parlamentares, há uma leitura de que a extinção da dedução com juros sobre capital próprio é um dos assuntos mais polêmicos encaminhados pelo Palácio do Planalto como parte integrante do conjunto de medidas fiscais com o objetivo de garantir o cumprimento da meta de zerar o déficit primário em 2024, conforme estabelecem as peças orçamentárias em apreciação pelo parlamento.


Pela redação da proposta, o benefício relacionado aos JCP estaria vedado a partir de 1º de janeiro de 2024. O texto, no entanto, não proíbe a utilização do instrumento, que mesmo assim perderia atratividade para as empresas. O governo estima arrecadar R$ 10,5 bilhões com a mudança apenas no ano que vem. Junto com ela outras ações com impacto total de R$ 168 bilhões são apontadas.


O texto tem sofrido críticas de bancos e da indústria ‒ dois dos setores que mais se beneficiam com a dedução de tributos pelos JCP.


O fim da dedutibilidade dos JCP é visto com preocupação pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Para entidade o caminho para impulsionar investimentos é aprimorar o instrumento e não extingui-lo. Em nota distribuída à imprensa semana passada, a CNI defende a modernização dos JCP e pede aos parlamentares que não aprovem a medida como foi elaborada pelo governo.


A proposta também é criticada pelos bancos, que usam o instrumento para se capitalizar e cumprir requisitos prudenciais. Os JCP são uma forma de distribuição dos lucros de uma empresa de capital aberto aos seus acionistas. Por serem considerados uma despesa, são deduzidos do lucro antes do desconto do IRPJ. A tributação ocorre no recebimento da quantia pelo investidor, com taxa de 15%, retido na fonte.


No último dia 31 de agosto, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse que os abusos que a equipe econômica quer coibir com o projeto não estão ligados a instituições financeiras e reconheceu que o debate sobre a medida ainda não está tão maduro.


Integrantes do próprio governo reconhecem que o texto pode passar por mudanças, de modo a corrigir eventuais abusos, mas sem proibir seu uso. Mas há uma avaliação geral de que os JCP se mostraram ao longo dos anos instrumento ineficiente para direcionar investimentos às empresas e que tem servido fundamentalmente ao propósito de redução da carga fiscal, especialmente em função da combinação existente entre a dedução da despesa pela pessoa jurídica e a tributação da pessoa física relativa à receita correlata, a uma alíquota reduzida (15% de IRPF retido na fonte).


Pelo regime de urgência, agora cancelado para esse projeto dos JCP, as matérias legislativas têm sua tramitação acelerada no Congresso Nacional, com a dispensa de prazos, ritos e outras formalidades regimentais. A retirada do pedido deve permitir uma debate mais alongado do assunto.


Na prática, o movimento pode também abrir caminho para uma possível suavização do texto, ampliando as chances de exceções e períodos de transição ou o adiamento da discussão para que ela ocorra junto com a segunda etapa da reforma tributária, que abordará os impostos sobre a renda.


O que está em jogo?


Instituído pela Lei 9.249/95, os JCP são proventos pagos pelas empresas aos acionistas como forma de remunerar o capital investido. Um dos dispositivos da lei permite que as empresas deduzam os valores pagos da base de cálculo do IRPJ e CSLL, o que resulta em economia tributária para a companhia.


Os JCP são calculados com base em uma taxa de juros predeterminada aplicada sobre o patrimônio líquido. Ao contrário da empresa, que é isenta ao distribuir os valores, os acionistas que recebem a remuneração pagam Imposto de Renda, ainda que à uma alíquota menor (15%).


O governo afirma que os JCP foram criados para compensar os acionistas pelo fim da correção monetária sobre o balanço das empresas, e também para elevar os investimentos dos sócios (capital próprio). Após mais de 25 anos, alega que não existem evidências de que essa sistemática contribua para aumentar os investimentos empresariais.


“À época de sua edição, a norma veio acompanhada de outras medidas de controle da inflação estabelecidas pelo Plano Real. Os efeitos da inflação no patrimônio das pessoas jurídicas eram corrigidos mediante mecanismo de atualização do valor dos bens e direitos registrados no ativo permanente, em contrapartida de conta credora de Receitas de Correção Monetária, e simultânea atualização do valor do capital, reservas e lucros acumulados registrados no patrimônio líquido, em contrapartida de conta de resultado devedora de Despesas de Correção Monetária”, pontua o governo em justificação que acompanhou o envio da matéria ao Congresso Nacional. O texto é assinado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).


“A estrutura patrimonial influía no resultado das atualizações promovidas. As pessoas jurídicas com capital circulante líquido, que ocorre quando o valor registrado no patrimônio líquido é superior ao valor registrado no ativo permanente, obtinham resultados negativos de correção monetária, enquanto as demais obtinham resultados positivos. O resultado positivo aumentava o lucro líquido e, portanto, a remuneração do capital destinada aos sócios”, diz.


“Como forma de coibir o endividamento ou a imobilização excessiva do patrimônio, foi instituída forma de tributação específica do lucro inflacionário”, complementa.


O governo federal observa, ainda, que a dedutibilidade tributária do pagamento de JCP teve como principal justificativa permitir que os sócios das empresas pudessem ser compensados pela perda da atualização monetária de seus direitos societários. Além disso, o instrumento pretendia aumentar a atratividade de investimento em capital em detrimento de investimentos no mercado financeiro.


Mas avalia que demonstrações financeiras das empresas brasileiras indicam que “o endividamento continua a ser a forma mais atrativa de financiamento da expansão empresarial, contrariando a ideia de que a medida aumentaria a atratividade de investimento em capital em detrimento de investimentos no mercado financeiro”.


“Análises apontam que a introdução dos Juros sobre o Capital Próprio – JCP na década de 90 não acarretou ajuste na estrutura de dívida das empresas se comparado ao período anterior à sua edição e que, na prática, a medida funciona como um sistema de dividendos dedutíveis, além de estimular as empresas a buscarem financiamento externo para remunerar o acionista. Há, ainda, apontamentos que revelam uma elevação na razão dívida/capital, em vez da redução esperada”, observa o governo.


“Passados mais de 25 anos de sua introdução, não há evidências de que a adoção dos Juros sobre o Capital Próprio reduza o endividamento e aumente investimentos. Na realidade, verificou-se que o instituto não influencia nem quantitativamente, nem qualitativamente, na conformação da estrutura de endividamento das empresas brasileiras”, diz o texto.


O governo informa que “entre 2016 e 2020, cerca de 2,8 milhões de pessoas físicas receberam essa remuneração, representando menos de 2% da população brasileira. O valor anual total recebido por esses beneficiários foi de cerca de R$ 30,6 bilhões”. Segundo dados da Receita Federal, os contribuintes que recebem mais de R$ 240 mil de rendimentos totais anuais representam 31,3% dos que declararam ter recebido JCP, mas obtiveram 96,6% do total recebido nesta modalidade por pessoas físicas.


No texto, também é destacado o fato de poucas empresas, em sua maioria de grande porte, utilizarem da política de benefício fiscal destinada aos JCP. “Trata-se, portanto, de benefício fiscal concedido sem efetividade, que reduz a tributação incidente nesses poucos contribuintes e que gera relevante renúncia de receitas tributárias. Ademais, o benefício cria um sistema tributário regressivo, em que uma maior carga tributária é suportada por contribuintes cuja capacidade contributiva é inferior àquela dos beneficiados pela medida”.


Em 2021 a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta que altera a legislação do Imposto da Renda. Um dos pontos do projeto prevê a extinção dos JCP. O PL 2337/21 está pendente de análise no Senado Federal.


Com a retirada de urgência constitucional do novo projeto de lei que trata do assunto, a tendência é que a matéria tramite com mais tempo pelas comissões permanentes ‒ colegiados responsáveis por debater a constitucionalidade e o mérito sobre o assunto com mais profundidade.


Fonte: InfoMoney - acessado 06/09/2023

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